Agente penitenciário ensina música em unidade prisional da Região Metropolitana

O Curso Básico de Violão já formou 56 detentos em dois anos. As aulas do instrumento ocorrem quatro vezes por semana e as de canto uma vez

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No lugar de algemas e tonfa – espécie de cassetete – o agente penitenciário Renato Pereira Costa, 32 anos, entra nos pavilhões e celas do Presídio Antônio Dutra Ladeira, situado em Ribeirão das Neves, acompanhado de um violão, duas caixas de som, um notebook e sua voz. Ele dá aulas de violão e canto na unidade situada na Região Metropolitana de Belo Horizonte, de segunda a sexta-feira.

A atividade de iniciação musical completa dois anos neste mês, tendo formado 56 presos, em oito turmas, no Curso Básico de Violão. As aulas do instrumento ocorrem quatro vezes por semana e as de canto uma vez, das 9h30 às 11h30 e das 14h30 às 16h30. O professor relata que vários alunos já deixaram o presídio e passaram a tocar em igrejas e eventos. “O mais importante é sentir o quanto melhora o convívio social entre os presos e que alguns, movidos pela música, decidiram retornar aos estudos formais, uma coisa puxa a outra”, conta o professor.

A paixão pela música na vida de Renato começou cedo. Aos 10 anos ingressou no coral de sua igreja e em seguida iniciou o aprendizado de violão em uma escola de música. Já mais velho estudou canto na Fundação Clóvis Salgado, em Belo Horizonte. Em 2008 e 2009 participou de um curso de extensão em canto erudito, na Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

“Um dia, vi o Renato em Ribeirão das Neves, carregando um violão. Até aquele momento não conhecia suas ligações com a música, fiz a ele a proposta de desenvolver um trabalho musical na unidade prisional”, relata o diretor-geral do Presídio Antônio Dutra Ladeira, Rodrigo Machado de Andrade. “Além da música, um dos grandes talentos do Renato é levar paz e harmonia para os pavilhões; a música ressoa com um efeito tranquilizante”, acrescenta.

Cela multiuso

O agente penitenciário Renato chega à cela destinada para as aulas de violão, no anexo II, do pavilhão VI, depois de passar por várias portas, grades e outros agentes penitenciários. Nesta cela, há um compartimento onde sete violões ficam cuidadosamente guardados em capas ou caixas.

Sentados em semicírculo, de violão nas mãos, estão Enoch dos Santos, 28 anos, Wesley Paiva, 28 anos, Jean Pereira, 45 anos e Etioson da Silva, 26 anos. Eles finalizam a música e declaram, com unanimidade, o sentimento de tocar pop-rock, gospel e mpb dentro da unidade prisional: “a sensação é de liberdade, parece estarmos em outro lugar, isto realmente tranquiliza”.

O detento Etioson da Silva nunca havia estudado música e hoje escreve letras de canções religiosas, com arranjos do professor. “É muito comum nos vermos em músicas, nossas dores e medos às vezes estão nelas. A gente, então, roda o mundo sem sair daqui”, explica Etioson. O mais importante no curso básico de violão, relata o preso, foi ter aprendido o valor do perdão: “Se as pessoas tivessem a capacidade de perdoar, muitos não estariam aqui. Há homens que cometeram homicídios pelo desejo de vingança”.

Wesley já tinha algumas noções de violão e diz que quanto mais estuda, mais tem vontade de aprender. “Fico triste quando preciso voltar para o barraco (cela), pois não posso levar o violão.” Seus músicos preferidos são Cássia Eller, Capital Inicial, Legião Urbana e O Rappa.

Vozes ampliadas

As aulas de canto ocorrem em um pavilhão vizinho ao do reservado às aulas de violão. Em uma cela, 13 presos aguardam ansiosos a chegada de Renato. O detento Wilberty Silva Souza, 31 anos, faz questão de dizer que o professor é um instrumento de paz. “Ele não nos vê como presos, e nos não o vemos como agente penitenciário.”

Luiz Henrique França, 21 anos, revela que vários presos perguntam se participar do coral vale como remissão de pena. “Não dá remissão, e não estamos aqui para isto. Aqui cantamos várias músicas, em especial as de louvor a Deus. Isto sim é remissão, em um plano muito mais elevado”, enfatiza Luiz Henrique.

O coral descreve em uníssono uma situação que se repete em quase todas as aulas: “como estamos perto do pátio de sol, muitos presos aproximam-se o máximo possível da cela em que estamos, para nos ouvir mais de perto. Chega uma hora em que não há mais nem um som, exceto nossas vozes. Este é o resultado do trabalho de Renato.”



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