Discurso do ministro da Defesa, Aldo Rebelo, durante a solenidade de entrega da Medalha Santos Dumont

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Santos Dumont - 29/10/2015

Bom dia, senhoras e senhores.

Santos Dumont elevou-se, no inicio do século passado na cidade Paris, não apenas como um grande inventor. Santos Dumont elevou-se como personalidade da ambição, da ousadia, da persistência, da disciplina e da coragem humana.

Ao promover pela primeira vez na historia o voo tripulado de um equipamento mais pesado do que o ar, Santos Dumont promoveu uma revolução cientifica, tecnológica e uma grande transformação no comportamento e na vida da humanidade. Tinha a exata dimensão do futuro da máquina que acabava de inventar. Achava que ela seria em breve tempo não apenas um meio de transporte revolucionário e eficaz, mas também que democratizaria a aproximação e a convivência entre as pessoas e tornaria possível as visitas, as presenças e as relações humanas de uma forma absolutamente nova. Chegou a prever, inclusive, que o transporte aéreo não seria apenas um transporte de massa, mas também poderia se transformar até na possibilidade de transporte também individual.

Elevou o nome do Brasil, mas também elevou o nome da humanidade. Neste aspecto, inclusive, deu continuidade aos feitos e persistência de outros brasileiros. O chamado padre voador, Bartolomeu de Gusmão, brasileiro de Santos, irmão de um grande diplomata que ajudou a construir a base física do território brasileiro representando o império português no Tratado de Madrid, o irmão do Alexandre Gusmão, o padre Bartolomeu de Gusmão também surpreendeu o mundo ao promover o voo de balão na cidade de Lisboa no inicio do século 18.

E, posteriormente, contemporâneo de Santos Dumont, brasileiro do Rio Grande do Norte, Augusto Severo, mais ou menos no mesmo período, ao tentar a mesma proeza de Santos Dumont em uma atividade de muito risco, sofreu um acidente, veio a falecer também em Paris. Hoje, é nome de uma rua na cidade de Paris. Aliás, a rua onde sofreu o acidente e batiza também o aeroporto de Natal. Augusto Severo, outro grande brasileiro, outro grande aviador, outro grande homem de ciência e de técnica. E, depois de Santos Dumont, a primeira travessia do Atlântico por um outro brasileiro de Jaú, da cidade de São Paulo, comandante João Ribeiro, que, com esforço familiar e apoio principalmente da própria mãe, conseguiu fazer a sua travessia.

Santos Dumont inspirou outros brasileiros que nos legaram, na trajetória inspirada por ele, uma moderna indústria aeronáutica. O brigadeiro Casimiro Montenegro, o grande fundador, criador do Instituto Tecnológico de Aeronáutica, provavelmente nos seus sonhos levasse em conta a ousadia e os feitos de Santos Dumont para buscar nos Estados Unidos, no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, um modelo para criar o Instituto Tecnológico da Aeronáutica. Do Instituto Tecnológico da Aeronáutica criou-se o atual Departamento de Ciência e Tecnologia da Aeronáutica, o DCTA, antigo CTA, e, a partir desse centro de tecnologia, criou-se a Embraer.

Em 1968, a Embraer então testou o seu primeiro equipamento, o avião Bandeirante, que deu origem a essa moderna e competitiva indústria aeronáutica do Brasil. É a única de alta tecnologia onde nós temos superávit na balança comercial. Dá também a referência de que o Brasil pode ser um país bem sucedido na indústria de alta tecnologia, porque é competitivo naquela que é mais disputada, naquela que é mais difícil, naquela que eleva mais alto as exigências de pesquisa e de tecnologia. E nós temos nos aviões de porte médio a absoluta hegemonia. Desenvolvemos aviões caças como o Super Tucano A29, competitivo na sua categoria. E desenvolvemos agora, já fizemos o primeiro voo com o KC390, o moderno e competitivo avião de transporte que vai colocar o Brasil em patamar de igualdade com os grande fabricantes de aviões de transporte do mundo.

E os caças Gripen, fruto do acordo do Brasil com a Suécia, serão 80% fabricados no Brasil. É um caça de nova geração, portanto, incorporando apenas a base, mas o motor mais potente, com envergadura maior, um comprimento maior, uma capacidade de transporte de armamentos muito maior e que tem despertado já interesses em todo o mundo. O Gripen não teria sido possível, provavelmente, sem esta ousadia do Brasil, sem os feitos do grande mineiro Alberto Santos Dumont, sem os sonhos do brigadeiro Casimiro Montenegro, sem o ITA, sem o CTA e sem a Embraer. Portanto, quando no cinquentenário do feito de Santos Dumont o Governo de Minas Gerais criou esta medalha, não o fez apenas para eternizar a memória de um grande brasileiro, a memória de um grande ser humano. Eu creio que o principal sentido da criação e da concessão dessa medalha, além da homenagem a personalidades merecedoras deste destaque, o que me vem à ideia, é que a medalha Santos Dumont tem a principal característica de perpetuar, de eternizar valores.

Uma sociedade é construída a partir das realizações materiais, da construção da sua base material. As cidades, a indústria, a agricultura. E o Brasil avançou muito neste sentido. Não somos por acaso a sétima economia do mundo. Existem momentos onde o pessimismo de setores da sociedade ultrapassam os limites do desejável, porque uma dose de pessimismo é sempre necessária. O pessimismo, muitas vezes, também se associa à prudência, à imaginação dos riscos dos nossos passos. Mas não se constrói uma sociedade apenas com pessimismo, sem ousadia, sem ambição, sem algum tipo de otimismo crítico. Nós não conseguimos dar passos para o futuro. E creio que se nós construímos a sétima economia do mundo, se nós temos em alguns setores uma indústria tão competitiva, como é o caso da indústria aeronáutica, se nós temos a agricultura mais competitiva do planeta, competindo com a americana e europeia, então nós construímos uma civilização.

Esta semana, eu fui a Operação Ágata, na fronteira Norte do Brasil, ali no Cabo Orange perto do Oiapoque, até Acrelândia. O Brasil tem 17 mil quilômetros de fronteira, não há um palmo de terra que nós reivindicamos dos nossos vizinhos. Não há uma polegada do nosso território que seja reivindicada por nenhum dos nossos vizinhos. Isso é um grande feito porque nações, civilizações muito mais antigas do que a nossa, eu não preciso citá-las porque estão todos os dias nos jornais, não conseguem manter paz ao longo de 60 quilômetros de fronteiras com seus vizinhos. Recentemente, Bulgária e Turquia construíram 30 quilômetros de muro. Grandes nações civilizadas do Norte constroem com seus vizinhos uma parede, uma muralha. O nosso exemplo é o contrário. Eu vi lá em Roraima uma casa construída na fronteira com a Venezuela, onde a cozinha foi construída no Brasil e a sala na Venezuela, porque a fronteira é uma linha imaginária. E esse ato não criou nenhum conflito, nenhum confronto, nenhuma ameaça diplomática e a casa continua lá até hoje para se resolvida de alguma maneira.

Eu creio que esse também é um feito do Brasil. Certa vez, visitando o Vietnã, um amigo disse para um comandante vietnamita: nós precisamos aprender com vocês, que fizeram quatro guerras para conquistar a independência. O vietnamita olhou e disse: nós é que precisamos aprender com vocês, que só fizeram uma e resolveram seus problemas.

O Brasil foi uma civilização construída com valores. Valores espirituais. E são esses valores que nos fazem respeitados e admirados no mundo, apesar de não termos bomba atômica, apesar de não termos Forças Armadas para ocupar territórios, apesar de não termos o Estado como instrumento de pressão sobre os nossos vizinhos. Nós somos respeitados, admirados e queridos em todo o mundo, e nossas Forças Armadas são convocadas para missões em todo o mundo. Ora patrulhamos, como agora na costa do Líbano, ora mantemos tropa no Haiti, ora cedemos um comandante para forças da ONU no Congo, porque nós somos uma civilização baseada no respeito, na convivência e na tolerância.

Portanto, é estranho ao processo de formação do Brasil, completamente estranho ao processo da nossa formação, as manifestações de agressividade e de intolerância em qualquer terreno e em qualquer domínio. O Brasil foi uma civilização construída na convivência, no respeito e na tolerância. Uma grande civilização mestiça, formada por europeus, africanos, indígenas, e depois também por asiáticos, cuja identidade não se expressa por uma raça, não se expressa por uma religião, não se expressa pela cor da pele. Se expressa por valores.

Voltando, portanto, à criação da Medalha Santos Dumont, creio que foram valores carregados pelo grande brasileiro que conduziram à criação desta homenagem. Santos Dumont foi um homem que reuniu no seu trabalho a criatividade, partiu praticamente do zero, de uma acumulação ainda muito precária para criar uma máquina fenomenal, que foi o avião. Sem criatividade não se propõe e nem se inicia um desafio como este.

Santos Dumont trazia consigo também a persistência. Sem persistência, sem sentido de continuidade, de superação de obstáculos, de ver no fracasso não o fim ou a última etapa de uma tentativa, mas simplesmente no fracasso a possibilidade de recomeçar. Sem este sentimento não se constrói nada. Não tem vida, nem dos indivíduos, nem das famílias, nem da sociedade, nem das nações, que seja apenas a multiplicação do êxito. Sem fracasso, sem tentativa e sem erros, não se constrói uma trajetória. Nem na ciência, nem na técnica e nem nas nações.

E um terceiro traço do feito de Santos Dumont é também o da coragem. E, sem a coragem, nenhuma atividade humana vale a pena. E Santos Dumont empenhou na sua atividade e na sua invenção o risco e a renúncia da própria vida. Posteriormente, veio a sofrer um grave acidente que deixou sequelas para o resto da sua existência, mas viveu suficientemente para legar ao Brasil e ao mundo não apenas o seu feito, a sua descoberta, mas acima de tudo as suas perenes lições de vida.

Senhor governador Fernando Pimentel, senhoras e senhores agraciadas e agraciados com esta medalha, que a nossa geração, ao cultivar e cultuar em solenidades como esta a figura de Santos Dumont, que também trate de perpetuar, de eternizar e de dar sentido de continuidade aos valores que marcaram a vida deste grande brasileiro. Que olhemos para o passado com reverência e com o respeito aos que construíram a sociedade brasileira, aos que construíram o Brasil enfrentando dificuldades, adversidades, riscos e reunindo criatividade e persistência. Que essas sejam as lições que marcam os nossos atos no dia de hoje e que essas sejam as lições que nós tratemos de legar as gerações futuras.

Viva Santos Dumont.


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