Pronunciamento do governador Fernando Pimentel na solenidade de entrega de 85 veículos 74 para municípios mineiro

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É um misto de sentimentos que a gente colhe em um evento como esse. É um sentimento de alegria, claro que é, de realização, porque, como disse aqui o Ricardo Faria, com toda dificuldade, Minas pode se orgulhar de estar mantendo o funcionamento do Estado. Isso não é pouca coisa numa crise tão profunda como o Brasil está atravessando.

A maioria dos estados brasileiros está com dificuldades muito maiores do que nós para fazer funcionar o serviço público. Basta olhar o Rio de Janeiro, ou o Espirito Santo, ou Rio Grande do Sul, alguns estados do Nordeste, onde os serviços públicos estão entrando em colapso na área de segurança, na área da saúde, da educação. Em Minas, com toda a dificuldade financeira, não aconteceu isso. Então, é claro que isso se deve ao esforço do setor público - vale dizer, os senhores e senhoras prefeitas dos municípios, do governo do estado, do parlamento -, mas também tem a ver com a vocação dos mineiros e das mineiras para o trabalho. Nós não somos um povo reclamador. O mineiro não é reclamão. É muito difícil você achar um mineiro reclamando da vida, parado, encostado na parede reclamando da vida.

Ele pode até aqui e ali fazer um comentário a caminho do trabalho, indo ou voltando, ou lá trabalhando. Mas ele trabalha. É isso que Minas Gerais faz e é isso que nos permite enfrentar a crise muito melhor do que a maioria dos estados.

Mas, se temos essa alegria, temos também uma tristeza. Essa crise que eu estou mencionando não é apenas uma crise econômica, uma crise orçamentária, institucional do ponto de vista da administração.

É uma crise que revela uma profunda ameaça à democracia brasileira. Nós estamos agora numa nova fase da luta democrática. Uma fase que, eu diria, é mais dura, mas áspera e mais perigosa. Porquê, por incrível que pareça - e olha que eu já tenho 50 anos nessa estrada, eu comecei a militar politicamente em 1968, ainda era o regime autoritário na ditadura militar, eu era estudante secundarista, eu comecei a participar politicamente e nunca mais me afastei.

Fui para a resistência clandestina, voltei a trabalhar e depois a militar politicamente e ajudei a fundar o meu partido, o Partido dos Trabalhadores, e assim vim até hoje. Eu não podia nunca imaginar que, 50 anos depois, tendo passado por todos aqueles períodos, a luta pela anistia e os presos políticos, a luta pela abertura democrática, a luta pela conquista das diretas, pela redemocratização, a constituinte de 1988, depois enfrentar a inflação e consolidar o Plano Real, uma nova fase da economia brasileira sem inflação, enfim, é muito tempo, é muita coisa.

Eu nunca poderia imaginar que nós íamos retroceder no Brasil a ponto de chegar, 50 anos depois, ao momento em que nós temos que lutar, pelejar, para preservar os direitos mais básicos do cidadão. Os direitos mais elementares, que estão consagrados na Carta de Declaração dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948, na Declaração dos Direitos do Homem. O que nós estamos assistindo no Brasil é o desrespeito de uma por uma das clausuras que estão lá: o direito a presunção à inocência, básico em qualquer pais civilizado.

Todo mundo é inocente desde que se prove o contrário. No Brasil, nós estamos vivendo num período em que isso foi virado de cabeça para baixo. Todos, especialmente nós, agentes públicos, todos são considerados culpados, e nós é que tratemos de provar que não somos. Eu não estou exagerando, é esse sentimento hoje no Brasil, do Judiciário em relação a nós, da mídia em relação a nós, e de uma parte considerada da população brasileira. É contra isso que nós temos que começar a lutar agora, sob pena da democracia ir embora debaixo das nossas barbas.

A inviolabilidade do lar e da vida privada, que sempre foi uma clausula pétrea das declarações de direitos humanos e das constituições do direito no mundo inteiro, essa também foi embora. Todo mundo é grampeado, todo mundo tem o sigilo quebrado, legal ou ilegalmente. A ideia ao direito à ampla defesa. O que é isso? É o direito do acusado, culpado ou não - se ele será culpado mais lá na frente é que vai se saber. Ele este acusado de alguma coisa, ele tem direito a usar todos os recursos disponíveis para a sua defesa. É isso que está na Constituição, no Código de Direito Penal, nas leis brasileiras e internacionais, e vale mundo inteiro, menos aqui.  Aqui não vale mais. Os direitos à defesa são parcimoniosamente escolhidos pelo juiz. Eles são escolhidos, esse aqui pode, aquele ali não pode. Esse eu aceito, esse aqui eu não aceito.  E nós vamos aos poucos construindo uma Justiça seletiva. Eu não estou exagerando, é só ler os jornais, só olhar o que está acontecendo e, aos poucos, a democracia brasileira está sendo destruída.

Eu queria terminar com uma frase de um pensador da Revolução Francesa, que foi em 1789, a França se revoltou contra o autoritarismo da monarquia e promoveu uma revolução cujo símbolo foi a queda da Bastilha. O que era a bastilha? Era uma prisão no centro de Paris, um prédio onde ficavam presos os presos políticos, os condenados ou não, sujeitos ao arbítrio das leis da monarquia. Quando teve a rebelião, o povo parisiense foi lá e demoliu a Bastilha. Derrubou as paredes e os muros, enfim foi o símbolo mais forte da opressão daquele estado autoritário que era o estado monárquico. E um pensador francês disse uma frase que tem muito a ver com que nós estamos vivendo hoje no Brasil. O pensador era o Jean-Paul Marat, um grande pensador que era libertário, um pensador, e ele disse a seguinte frase: se tivéssemos impedido a cada dia que levássemos uma pedra para erguer os muros da Bastilha, teríamos poupado o trabalho de demoli-la. A Bastilha não foi feita em um dia, ela foi feita aos poucos e o povo foi deixando.

Nós estamos construindo uma Bastilha para o povo brasileiro. Começa com os políticos, com os mais conhecidos, depois vai descendo, e depois vamos chegando ao cidadão comum. E essa Bastilha está sendo construída.

Cabe a nós, cidadãos, prefeitos ou não, governador ou não, impedir esse crime que está cometido contra a democracia brasileira. Vamos para a resistência democrática. Vamos enfrentar essa luta, já enfrentamos outras e já vencemos, e essa venceremos também.