Pronunciamento do governador Fernando Pimentel durante lançamento do projeto Memorial de Direitos Humanos Casa da Liberdade

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Hoje é um dia em que eu gostaria de dizer, começar dizendo, que eu estou muito feliz com a presença de vocês, mas eu não vou dizer isso porque é mentira. Eu não estou feliz. E eu acho que nenhum de nós está feliz e eu acho que a grande maioria da população brasileira também não está. Então nós não devemos esconder que nós estamos tristes, que nós estamos infelizes, mas nós estamos dispostos a resistir.

Quero contar uma história rapidamente. Há 45 anos eu fui prisioneiro dessa instituição policial, na época Delegacia de Ordem Política e Social. Eu estive lá de fevereiro, março ou abril, de 1973 até outubro de 1973. Eu terminei meus três anos e meio de prisão no Dops de Belo Horizonte.

Eu não fui torturado lá, obviamente, eu fui preso em Porto Alegre, três anos antes. E foi lá que eu sofri todas as agruras da prisão política da época. Mas eu, passando pelo Dops, fui testemunha - quando nada auditiva - dos abusos que eram praticados desde 1973, ainda nos chamados anos de chumbo da ditadura militar.

Eu sempre pensei que um dia a gente conseguiria transformar aquele local num espaço de memória, num espaço de preservação de história, de um pedaço importante da história do nosso pais.

Quarenta e cinco anos se passaram, muitos governos se sucederam, mas foi preciso que o povo mineiro tivesse elegido como elegeu um ex-preso político para que finalmente a gente se apropriasse de forma adequada daquele local.

Eu gostaria de falar que tenho orgulho, mas não tenho. Esse orgulho, se existir, é coletivo, ele é compartilhado por nós todos, pela nossa geração por aqueles que resistiram e pelas gerações que estão chegando, que também resistem e sabem reconhecer a luta dos que resistem. Porque eles também são lutadores.

Eu achava, com sinceridade, que aquele seria um espaço de memória de reconstrução da história, do compartilhamento daquilo que foi feito, de informação, um espaço até pedagógico, e agora eu chego a sensação de que também ele será um espaço de resistência.

Lá nós vamos resistir, nós vamos debater, vamos refletir, vamos organizar manifestações necessárias, para que esta escalada antidemocrática que o Brasil está vivendo tenha paradeiro.

A essa altura, está mais do que claro que que nós estamos num roteiro de construção do fascismo no país. Os eventos são abundantes, eu não precisaria citar, mas eu posso citar aqui a agressão que sofreu a nossa Universidade Federal de Minas Gerais com a condução abusiva do reitor, de outros professores da nossa universidade, com busca e apreensão abusiva nas residências dele e, sucedendo ao mesmo feito que tinha acontecido em Santa Catarina, que levou a morte e ao suicídio do reitor, e que até hoje não apuraram nada contra ele, porque nada tinha para ser apurado. Essa é a cara do fascismo que vem galopando. Isso se segue agora no Rio de Janeiro com o assassinato da vereadora Marielle, depois tiros disparados e pedras contra a caravana do ex-presidente Lula e agora culminando com tudo isso, com essa prisão arbitrária, absurdamente ilegal do ex-presidente Lula, fruto de uma sentença jurídica frágil e equivocada, de um processo cheio de irregularidades – e, o mais absurdo, um mandado de prisão totalmente ilegal. Porque ele não cumpre e não preserva os prazos de recursos que a lei assegura a qualquer cidadão.

Quando alguém diz assim, “mas a lei é para todos”, eu concordo sim, a lei é para todos, menos para o ex-presidente Lula que está preso de forma ilegal nesse momento em Curitiba.

Eu não quero me alongar mais. Vocês sabem que, nos momentos de muita aflição, é bom a gente se refugiar na poesia.  E eu fui buscar lá um certo consolo para os dias de hoje. E fui lá no O Romanceiro da Inconfidência, de Cecilia Meireles, um livro escrito nos idos dos anos 50, 53 ou 54.

Se vocês folhearem o livro hoje vocês vão ver e enorme semelhança com os dias de hoje com aqueles dias relatados lá de forma tão poética e tão bonita, mas que se referem à conjuração de 1789, também conhecida como Inconfidência Mineira.

Vou ler o verso 51 que fala sobre a sentença:

“Já vem o peso do mundo com as suas fortes sentenças. Sob a mentira e a verdade pesavam as mesmas penas. Apodrecem das masmorras juntas a culpa e a inocência. Lá vem a jurisprudência interpretar cada caso e a justiça mais severa com os homens mais desarmados. Lá vem o peso da vida, lá vem o peso do vento, pergunta sobre os culpados, não passaram tormentos e pelos nomes ocultos os que nunca foram presos. Diante do sangue e da forca e dos barcos do desterro o peso da história julga os donos da justiça, suas balança e preços. E contra seus crimes lavra a sentença do desprezo”.

Que o desprezo recaia inapelavelmente sob os algozes do presidente Lula. E que o manto do esquecimento da história cubra-os definitivamente. É uma vergonha o que estão praticando, esses algozes de um homem, de um líder popular íntegro, honesto, que a população brasileira toda sabe disso. Que sejam eles os algozes, as vítimas depois de cerceamento e julgamento inapelável da história.

Que seja assim, que nosso espaço da memória consagre a memória daqueles que lutaram e resistiram a ditadura e aos anos 60 e que resistem agora contra esse fascismo no Brasil.

Obrigado a todos!