Governo do Estado implanta programa para disseminar a harmonia nas escolas

‘Convivência Democrática’ chega a 3.629 instituições de ensino estaduais nos 853 municípios. Proposta é combater a violência e ter os números registrados no recém-criado Sistema de Registro

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Painel com depoimento dos alunos da Escola Estadual João Rezende, em Uberlândia
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A educação pública estadual de Minas Gerais inova ao institucionalizar o Programa de Convivência Democrática para a promoção do reconhecimento e valorização da diversidade no ambiente escolar.

Dentro do programa está em funcionamento o Sistema de Registro de Situações de Violências, parceria da Secretaria de Estado de Educação (SEE) e Companhia de Tecnologia da Informação do Estado de Minas Gerais (Prodemge). Trata-se de uma plataforma eletrônica, online, onde as escolas podem registrar ocorrências diversas, acessível à SEE.

O programa, que havia sido lançado em 2017 para as 47 superintendências regionais de ensino, foi regulamentado pela Resolução 3.685, em janeiro de 2018. Além do Sistema de Registro, uma série de outras iniciativas envolvem toda a comunidade escolar no enfrentamento de comportamentos indesejáveis.

“Na prática, as escolas estão desenvolvendo seus planos e trabalhando a abertura de espaços de diálogo e convivência para prevenir a violência, tomando medidas para ter um ambiente mais harmonioso, respeitoso e de maior tolerância”, afirma a coordenadora de Direitos Humanos e Cidadania da Secretaria de Estado de Educação, Kessiane Goulart Silva.

O trabalho passa pela promoção dos direitos humanos e construção da paz nas escolas e no seu entorno. De acordo com o Kessiane, o Sistema de Registro de Situações de Violência, que está no artigo 5º da Resolução, será uma importante ferramenta da política pública a ser direcionada para onde forem registradas violências diversas como machismo, racismo, bullying e LGBTfobia.

A partir do registro, a escola vai traçar um mapa das diversas situações e planejar a prevenção e redução das violências, por meio de ações pedagógicas como a solidariedade, reconhecimento e valorização da escuta, das diferenças e diversidades, assim como a aplicação de metodologias para resolução de conflitos e formação continuada.

“Não tínhamos uma coleta sistemática de dados com as situações mais frequentes. Temos uma compreensão mais ampla, inclusive da violência simbólica que ocorre nas relações de poder. Quanto menos democrática uma gestão, você pode percebê-la como mais violenta para o grupo. A coisa de cima para baixo não combina com o ambiente escolar”, revela Kessiane.

A expectativa é de que haja apoio dos outros serviços públicos, como assistência social, saúde e segurança. O trabalho conjunto deverá ocorrer não apenas nos casos registrados de violência, mas também na prevenção, interagindo com a comunidade escolar inserida numa região. A ideia é fazer com que o programa extrapole os muros da escola.

“Na prática, as escolas estão desenvolvendo seus planos e trabalhando a abertura de espaços de diálogo e convivência para prevenir a violência, tomando medidas para ter um ambiente mais harmonioso, respeitoso e de maior tolerância”

Kessiane Goulart Silva, coordenadora de Direitos Humanos e Cidadania da SEE

No entendimento da Coordenação dos Direitos Humanos da SEE, o problema da intolerância na sociedade sempre existiu, entretanto, nos últimos tempos houve crescimento da dificuldade em não respeitar a opinião do outro. Minorias como negros e LGBTs, entre outras, são as principais vítimas.

“Existe um padrão a ser seguido e, se a pessoa não se reconhece ali, passa a ser desprezada e, muitas vezes, agredida”, diz a especialista. Kessiane aposta na educação e na conscientização para que todos entendam que ser homossexual faz parte da sociedade e que é preciso respeitar a diferença.

Engajamento no Norte de Minas

A participação da comunidade escolar é considerada fundamental para o sucesso do Programa de Convivência Democrática. Em Janaúba, na Escola Estadual Joaquim Maurício, o então aluno do 3º ano do ensino médio João Marcos Pereira Pimentel de 18 anos, integrava o programa Conexão Jovem (rádio interna da instituição), quando a Superintendência Regional de Ensino da SEE promoveu o seminário “Programa de Convivência Democrática”.

Crédito: Arquivo/E.E. Joaquim Maurício de Azevedo

O programa de rádio era apresentado três vezes por semana, durante os intervalos, com programação musical e de serviços. “Naquela ocasião, lemos trechos da Constituição Federal sobre os direitos fundamentais. A gente se envolveu com o programa, apresentações e debates sobre igualdade. Para a convivência democrática e respeito às minorias, o caminho é o da educação. Outro ponto: não adianta debater o assunto se ele não for colocado em prática”, diz o estudante.

João Marcos, que hoje faz o curso de Direito em Nova Porteirinha, lembra que na sua escola as agressões não eram comuns e o sentimento de solidariedade era fortalecido, todas as vezes que alguém precisava de apoio, como ocorreu com uma professora e uma aluna quando foram diagnosticadas com câncer. 

A SRE de Janaúba integra 17 municípios e 92 escolas estaduais na região e todas participaram do seminário, que recebeu os palestrantes Daniel Librelon (promotor de Justiça) e Andrey de Souza Lopes (professor universitário). Violência, Ato Infracional e Indisciplina no Ambiente Escolar; Direitos Humanos e Violência no Contexto Escolar estiveram entre os temas tratados.

"A gente se envolveu com o programa, apresentações e debates sobre igualdade. Para a convivência democrática e respeito às minorias, o caminho é o da educação"

João Marcos Pimentel, estudante

Para a assessora pedagógica da SRE de Janaúba, Suely Pereira Nascimento, a mobilização foi fundamental para passar às escolas a política que vai inibir a violência de qualquer natureza que ocorre nas escolas.

“Os palestrantes que conseguimos trazer foram de altíssimo nível, preparados com os assuntos que vão ao encontro dessa iniciativa do Estado para conter a violência nas escolas, por meio da conscientização dos estudantes, professores e comunidades”, diz Suely.

De acordo com Suely, o evento serviu para despertar interesse dos alunos e estimular as escolas a elaborar seus planos e coloca-los em prática. As ações de combate à violência já eram contempladas, mas não como agora, com a institucionalização da política. 

“Há um envolvimento dos alunos para encontrar saídas para os diversos tipos de violência e as escolas podem refletir sobre o que ocorre no seu interior e tomar as medidas cabíveis, com mais segurança”, reforça a assessora. 

Conteúdo ampliado em Jaíba

Enquanto isso, em Jaíba, também no Território Norte - polo de produção irrigada de hortifrutigranjeiros -, a Escola Estadual Professora Clara Menezes, com 30 anos de existência, viveu períodos de violência e discriminação. Contudo, conseguiu dar a volta por cima com um trabalho que envolveu alunos, profissionais da educação e comunidade.

Crédito: Arquivo/E.E. Professora Clara Menezes Dias

A professora Eliana Alves Camargo Melo relata que assumiu a direção em 2012. Naquela ocasião existia apenas o ensino fundamental ofertado a cerca de 700 alunos. A comunidade escolar estava cansada dos problemas de indisciplina, depredação do patrimônio, entre outros.

“As escolas, no geral, são frágeis e vulneráveis, pois recebem alunos de diferentes realidades socioeconômicas. O direito à educação está consagrado, mas os deveres nem sempre são praticados”, observa Eliana.

Com o enorme desafio a ser enfrentado, a diretora e os professores acreditaram que era possível tentar uma transformação com o apoio de todos. Por ser a escola atual um espaço mais democrático do que no passado, a gestão lançou mão de estratégias para diminuir a distância entre o social e o conhecimento.

“Chamamos os alunos e a comunidade para participar de tudo, ocupar a escola e despertar neles a sensação de pertencimento. Em pouco tempo, percebemos a mudança, mas os nossos alunos que saíam para o segundo grau eram discriminados em outras escolas”, afirma. 

A direção sentiu que era o momento de “brigar” pela implantação do segundo grau para que os alunos continuassem ali os seus estudos. Em 2016 o ensino médio começou a funcionar e a direção reivindicou também o EJA (Educação de Jovens e Adultos).

As conquistas levantaram a autoestima de todos os que acreditavam em mais possibilidades e, logo em seguida, o curso profissionalizante de Normal Médio também começou a ser ofertado na Escola Estadual Professora Clara Menezes Dias.

O número de alunos cresceu e chegou a 1.070, conforme a diretora Eliana Melo, que correu atrás e em breve vai implantar os cursos Mediotec Administração de Empresas, Técnico em Serviços Judiciais e Técnico em Comércio Exterior com o objetivo de favorecer a empregabilidade local.

“Há um envolvimento dos alunos para encontrar saídas para os diversos tipos de violência e as escolas podem refletir sobre o que ocorre no seu interior e tomar as medidas cabíveis, com mais segurança”

Suely Nascimento, assessora pedagófica da SRE, em Janaúba

Modelo na periferia de Uberlândia

Numa área carente de Uberlândia (Triângulo Norte), a Escola Estadual João Rezende, no bairro Custódio Pereira, se destaca pelo trabalho de educação inclusiva. A diretora Abadia Lemos de Sousa Costa, que recebe alunos de outros bairros, diz com orgulho que são 1.495 estudantes nos três turnos.

“Trabalhamos com a diversidade: alunos esquizofrênicos, de baixa visão, surdo-mudo, homossexuais, transgêneros, imigrantes, sobretudo, haitianos. Posso assegurar que a experiência e os resultados são muito gratificantes”, revela Abadia.

A institucionalização do Programa de Convivência Democrática, segundo a diretora, aumenta a credibilidade para tratar os diversos temas vulneráveis à violência. Quando os assuntos entram em pauta, ela diz que a aceitação dos estudantes é boa, facilitando o trabalho dos profissionais da escola, que contam com a participação do Poder Judiciário, Conselho Tutelar, Superintendência Regional de Ensino, entre outras instituições.

A diretora da escola de Uberlândia relata que o prédio da instituição tem pouca segurança e proteção, mesmo assim não registra, nos últimos anos, quebradeira nem pichação. Ela aposta numa relação de respeito e confiança permanente com a comunidade do entorno. A escola oferece ensino fundamental e médio, Educação de Jovens e Adultos (EJA) e o curso normal, que profissionaliza jovens para atuar na educação infantil.



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