Desastre de Fundão: a razão e os desafios da recuperação

Força-tarefa e ações concretas na minimização de danos

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Antes que você leitor pense que o presente artigo irá lhe apresentar o(s) motivo(s) do desastre sem precedentes ocorrido em Mariana/MG, no dia 5 de novembro de 2015, faço um esclarecimento. Isso está reservado às ações capitaneadas pelos órgãos ministeriais que tramitam judicialmente e que buscam punir exemplarmente os responsáveis, garantindo todos os meios de defesa, mas buscando respostas para que não haja impunidade.

A “razão” do título, portanto, não faz menção a “causa ou origem”, mas sim à capacidade de avaliar com correção, com discernimento, bom senso, juízo. Diante de tantos factóides e incompreensões, devemos buscar a razão perdida quando tratamos desse assunto.

Estivemos diante de um dos maiores desastres ambientais do mundo. O rompimento da barragem de Fundão causou o deslizamento de um grande volume de rejeitos de minério de ferro, provocando a perda de vidas humanas.

A lama de rejeitos devastou o distrito de Bento Rodrigues, situado a cerca de 5 km abaixo da barragem, foi carreada até o Rio Gualaxo do Norte, a 55 km, desaguando no Rio do Carmo, atingindo em seguida o Rio Doce, afetando também o litoral do estado do Espírito Santo.

No distrito de Regência, situado no município de Linhares, no Espírito Santo, os danos às Áreas de Preservação Permanente (APP) nas margens destes cursos d’água são incalculáveis. Além dos prejuízos sócio-econômicos a diversos proprietários rurais, povos indígenas e à população dos municípios mineiros e capixabas afetados pelo comprometimento da qualidade das águas.

A avalanche de lama provocou a morte de toneladas de peixes, ameaçou a extinção de algumas espécies, impactou fauna, flora, áreas marítimas e de conservação e causou prejuízos ao patrimônio, às atividades pesqueira, agropecuária, turismo e lazer na região.

Um agravante da situação foi que o empreendimento e as comunidades vizinhas à barragem não possuíam um plano de contingência, que poderia minimizar os danos à população e os impactos ao meio ambiente.

Instantaneamente o Poder Público esteve presente com a emergência ambiental: polícia, bombeiros e defesa civil, visando localizar corpos, preservar vidas e monitorar as estruturas que não romperam.

Em resposta ao desastre, o Governo de Minas Gerais publicou, no dia 20 de novembro de 2015, o Decreto nº 46.892/2015, que instalou a “Força-Tarefa Barragem do Fundão” para avaliação dos efeitos e desdobramentos do rompimento das Barragens de Fundão e Santarém.

Com esse relatório, subsidiou-se a celebração, em menos de 4 meses do acidente, de um acordo (Termo de Transação e Ajustamento de Conduta – TTAC) com a Samarco, Vale e BHP (suas controladoras), juntamente com o Estado do Espírito Santo e a União. Isso sem prejuízo de duas outras importantes ações judiciais já impetradas.

A primeira que garantiu caução inicial de 1 bilhão para as primeiras medidas de reparação dos danos, depósito judicial de 50 milhões para despesas até então suportadas, determinação de execução de medidas emergenciais com multa diária de 1 milhão de reais. A segunda, em parceria com o MPMG, que garantiu o início de medidas visando atingir condições de segurança na barragem da UHE de Risoleta Neves (Candonga) e a retirada rápida de rejeitos, pois se tratava de uma válvula de segurança  para eventual novo rompimento e carreamento de rejeitos, além da elaboração de dam-break e alerta da população.

Contudo, a notícia principal gira em torno do TTAC. Porém, não o fato de ter sido alcançado com enorme rapidez, por meio da dedicação de dezenas de técnicos de muitos diferentes órgãos, ou da previsão de um modelo de governança inovador através da união de diversos órgãos e com a criação de uma fundação, a Renova, para operacionalizar 42 programas socioambientais e socioeconômicos.

Tampouco se noticia a escolha acertada de toda essa dinâmica não ser operacionalizada pelo poder público, sempre em voltas com amarras burocráticas, licitatórias e cartoriais que poderiam atrasar ou dificultar as ações imprescindíveis, imediatas e necessárias.

Não. A notícia foca, na grande maioria das vezes, em torno do “que não foi feito ou pensado”, do que está “incompleto” ou de “pontos de vista de quem deseja demonizar de uma vez por todas a atividade minerária”.

Avessos a toda e qualquer ideologia nos valemos da razão. Seja para decidir o que devia ser feito, mas também para cobrar o que não o foi, ou o que não está a contento. O início da reparação não poderia aguardar anos de batalha judicial, como diversos outros precedentes nos apresentam. Fizemos diferente. Rapidez do acordo e garantia de, no mínimo, 20 bilhões, em reparação e compensação. 

Exemplo das ações compensatórias são os programas de saneamento para vários municípios tendo em vista que a Bacia do Rio Doce já pedia socorro para medidas dessa natureza.

Punitivamente, apenas os órgãos ambientais de Minas Gerais, lavraram 37 autos de infração contra a Samarco, de natureza administrativa, que somam quase 307 milhões de reais. O mais importante deles – o do rompimento – já foi analisado e transitou em julgado e o pagamento sendo efetuado pela empresa. Tudo em menos de um ano de sua lavratura.

Minas Gerais criou uma Diretoria na Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) dedicada a ações relativas a recuperação da Bacia e, através de um Grupo de Acompanhamento, vem monitorando as ações que estão sendo executadas pela Fundação Renova.

Criou uma Secretaria Executiva para apoiar os prefeitos com informações e atendimentos para encaminhamento de seus pleitos. O Sistema de Meio Ambiente de Minas Gerais também criou a operação Watu (Rio Doce na língua dos Krenaks), coordenada pela Feam. Com mais de 4 operações já é possível monitor as ações de recuperação em diferentes áreas do desastre, além de comparar sua evolução, fornecendo subsidio para a tomada de decisão.  

Também sem ideologias mas com “argumento e motivo”, o Poder Público fez requisição administrativa em propriedades privadas e autorizou a construção do Dique S4, na área destruída de Bento, para conter rejeitos, minorando riscos graves apontados de carreamento de rejeitos. Hoje, dados técnicos “racionais” apontam a eficácia da medida. As empresas terão de indenizar os proprietários.

Fruto do TTAC, mais de 500 nascentes foram recuperadas, além da reconformação de margens e demais APPs. Programas em desenvolvimento com Epamig e Embrapa para uso sustentável da terra por produtores rurais aliam desenvolvimento e preservação.

Foi reconstruída parte da infraestrutura urbana. Deve-se avançar, ainda, em Paracatu de Baixo, Gesteira e Bento Rodrigues. O projeto de Bento apresentou falhas e através das ações dos órgãos ambientais e do MPMG, isto está sendo corrigido, para que as pessoas que perderam suas casas em Bento possam definitivamente reconquistar seus lares.

Também como execução de determinações do acordo, foram feitas obras pesadas de engenharia nas estruturas remanescentes que as trouxerem para níveis seguros tecnicamente. Está em execução a dragagem de rejeitos que ficaram parados na UHE Risoleta Neves e obras para preparação de área para disposição do rejeito dragado.

A Bacia do Rio Doce já é considerada a bacia mais bem monitorada do Brasil. Para a avaliação dos programas de recuperação são imprescindíveis os indicadores. Por isso, foi aprovado o Programa de Monitoramento Quali-quantitativo Sistemático de Água e Sedimentos do Rio Doce, Zona Costeira e Estuários (PMQQS).

Este programa conta com 115 pontos de monitoramento da qualidade da água na Bacia do Rio Doce, 42 parâmetros físico-químicos, e 22 estações de monitoramento automático. Saberemos em alguns anos se a execução dos programas do TTAC levarão, de fato, a bacia para melhores condições ambientais do que se tinha antes do desastre. Todos os dados são acessíveis a população.

Talvez o ponto que comporte a maioria das críticas, aliado à baixa participação dos atingidos no modelo de governança e a demora em construir os novos distritos seja, de fato, o pagamento das indenizações. Auxílios emergenciais tem sido pagos pela Renova, que também trabalha no cadastro dos impactados. Ainda que essa ação apresente dificuldades peculiares, é necessário ainda mais agilidade. Com efeito, a Fundação se estruturou do “zero”, não havia precedente de funcionamento ou equipe constituída. Isso pode ter contribuído para a falta de agilidade. Porém, observa-se um engajamento maior com o passar do tempo.

E o que o desastre ensinou? Também, sem ideologias, mas racionalmente, foi editado um Decreto proibindo a instalação de novas barragens em MG com o método construtivo “a montante” semelhante a de Fundão e de outras que romperam no histórico em MG. Essa proibição serviu de exemplo órgãos de controle solicitassem ao DNPM que fizesse o mesmo para o Brasil todo.

Mesmo certos de que um licenciamento ambiental – por mais cauteloso e prudente – não seja suficiente para evitar acidentes quando há dolo ou culpa, em janeiro de 2016, foi aprovada a Lei 21.972/16. Esta norma trouxe, além da reestruturação dos órgãos ambientais, artigos relativos a novos estudos a serem apresentados por empreendimentos que tenham barragem de rejeitos. Estabeleceu também a determinação de que o Plano de Ação de Emergência inclua sistema de alerta sonoro ou outra solução tecnológica de maior eficiência.

Atualmente, tramita em fase final projeto de lei que trata da gestão de barragens. É fruto do trabalho da Comissão Extraordinária de Barragens da ALMG e de proposituras do Executivo, e juntamente com ele PL de iniciativa popular e coordenado pelo MPMG “Mar de Lama”. Essa lei definitivamente irá banir barragens como a de Fundão de nosso Estado.

A Feam desenvolve o Programa de Gestão de Barragens que tem por objetivo promover a classificação quanto ao potencial de dano ambiental e a atualização sistemática das informações relativas às auditorias de segurança, visando à minimização da probabilidade da ocorrência de acidentes com danos ambientais. Não há outro Estado da federação que tenha algo semelhante.

Nos últimos 18 meses, cerca 500 estruturas foram fiscalizadas. Em Minas Gerais, o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) determina que os empreendimentos realizem auditorias externas anuais em suas barragens. Além disso, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), realiza fiscalizações previas nas estruturas para concessão de licenças ambientais e através da lei de janeiro de 2016, passou a contar com equipes regionalizadas que fazem o acompanhamento de condicionantes ambientais de licenças.

Há também equipe composta por cerca de 60 fiscais atuam na fiscalização ambiental e podem atuar na fiscalização de barragens quando necessário e em articulação com homens da Defesa Civil para o acompanhamento dos impactos ambientais dessas estruturas, investindo em tecnologia e parcerias para monitoramento.

Tudo isso demonstra importância com que se encara o licenciamento de estruturas dessa natureza pelos órgãos ambientais, visando sempre a eliminação/minimização dos impactos ambientais identificados nos estudos de viabilidade. Ao órgão federal – Departamento Nacional de Produção Minerária (DNPM) – remanesce a competência legal para fiscalização concernente à segurança da estrutura.

Estão cadastradas no Inventario da Feam de 2016, 737 barragens, das quais 687 possuem estabilidade garantida, o que equivale a quase 95%.

No que diz respeito a volta da Samarco, três diretrizes foram colocadas pelos órgãos ambientais: que demonstrem compromisso e resultados no equacionamento dos danos, que garantam e comprovem a segurança das estruturas remanescentes e que mostrem à sociedade que farão diferente, através de investimento em tecnologia e alternativas a disposição de rejeitos.

A Samarco solicitou licença para dispor seus rejeitos em uma Cava em julho de 2016, como o primeiro passo visando no futuro a retomada das atividades. A Semad procedeu a análise, realizou audiências públicas e aguarda posicionamento do ICMBIO (órgão federal interveniente no processo e gestor do Parque Nacional da Serra do Gandarela). A empresa entrou, ainda, com o pedido de licença de operação corretiva do Complexo de Germano, o qual se iniciou recentemente, em setembro de 2017, e ainda está em análise. O processo cumprirá todas as etapas previstas na legislação.

Enfim, com essas informações – frise-se – não são todas, espero que você leitor consiga compreender a dificuldade com que algo dessa magnitude apresentou a nosso país, aos nossos órgãos e nossos técnicos. Porém, estamos muito, mas muito além do discurso retórico “nada foi feito”.

Estaremos empenhados em exigir a recuperação de todos os danos causados, monitorando todas as ações executadas e contribuindo para o desenvolvimento de nosso território, de nossos municípios, de nossa gente e atentos para o uso racional dos recursos ambientais, como determina nossa Constituição. Sem subjetivismos mas com racionalidade. 

As marcas do acidente permanecem naqueles impactados. Continuarão assim ainda por muitos anos, talvez pela vida toda. Por mais que tentemos, não conseguiremos nunca amenizar toda a dor que passaram. No entanto, não podemos descansar um minuto sequer. Mostrar o que tem sido feito e exigir sempre mais para minimizar o sofrimento e recuperar os danos causados: essa é a missão dos órgãos públicos.

Devemos aprender com tudo isso. Saber o que dizer. Avaliar o que foi dito. A mineração precisa dos “mineiros”. Nós precisamos da mineração. De uma mineração sustentável. Essa é a razão.

Germano Luiz Gomes Vieira – Secretário de Estado Adjunto de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável



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