Artesanato mineiro ganha impulso com incentivo do Governo e revela surpresas que encantam população e turistas

Tradicional no estado, trabalho artesão mostra diversidade e é reconhecido mundialmente, mas muitas vezes sua origem é desconhecida pelos próprios mineiros. Conheça alguns deles e de onde vêm

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Em Raiz, no Alto Jequitinhonha, o artesanato com capim dourado melhora a renda da comunidade
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Em Minas Gerais, materiais como cerâmica, madeira, pedra-sabão e fibras vegetais dão vida a belíssimas peças, que decoram casas e estabelecimentos no mundo inteiro. Muita gente conhece e logo identifica, por exemplo, a famosa cerâmica do Vale do Jequitinhonha, as detalhadas peças de pedra-sabão de Ouro Preto ou a rica prataria feita em Tiradentes e São João del-Rei. E o que mais temos de vocações artesanais no estado, de onde elas vêm? A Agência Minas destaca, nesta matéria, alguns dos artesanatos produzidos por aqui e suas histórias.

“Temos, em Minas Gerais, diversas vocações nos territórios. É importante valorizarmos o trabalho artesanal, que é feito de forma muito minuciosa, e garantirmos a manutenção destas tradições no estado. Além disso, é preciso garantir renda e emprego nas regiões por meio do artesanato”, pontua Pedro Leão, subsecretário da Secretaria de Estado Extraordinária de Desenvolvimento Integrado e Fóruns Regionais (Seedif), que coordena o Núcleo de Artesanato, responsável por diversas ações de fomento e fortalecimento da atividade no Estado.

Por exemplo: pouca gente sabe, mas, além da tradicional cerâmica do Jequitinhonha, conhecida mundialmente, a região também produz lindas peças a partir do capim dourado, uma espécie de sempre-viva da família euriocaulaceae. O vegetal, que tem cor e brilho únicos, é a principal matéria-prima para a confecção de bijuterias, luminárias, artigos de decoração e outros.

Em Raiz, povoado de Presidente Kubitschek, a 50 quilômetros de Diamantina, no Território Alto Jequitinhonha, a comunidade se une para cultivar e transformar a planta. “Engraçado que a gente já trabalhava com ela e a chamávamos de capim de cheiro. A gente achava que era igual às outras espécies, então fazíamos apenas arranjos. Até que um técnico da Emater descobriu que se tratava do capim dourado, que é muito bonito e valorizado. Com ele a gente consegue fazer o artesanato”, conta a presidente da Associação Comunitária de Raiz, Erci Ezelda. 

Desde a descoberta, os artesãos melhoraram de vida, com aumento do faturamento. “Hoje, somos 23 pessoas trabalhando com o capim dourado, e melhorou muito para nós. O artesanato aqui é muito tradicional, a gente aprende dentro de casa. Eu mesma aprendi com minha mãe e hoje vivo do cultivo das sempre-vivas e do nosso artesanato, que a gente vende em Diamantina e em feiras em todo o país”, comenta Ezelda.

No Território Metropolitano, as esculturas e entalhes em pedra-sabão de Ouro Preto encantam os mineiros e também os turistas. Há mais de 50 anos, os irmãos Bretas trabalham com o material na região. “Nos anos 60, meus dois irmãos trabalhavam com argila em Cachoeira do Campo. Viemos para Ouro Preto, eu com cinco anos de idade, e conhecemos a pedra-sabão. Tinha um artista incrível aqui, o Bené da Flauta, que fazia miniaturas, bichinhos. Meu irmão começou a fazer também, coisas pequenas, cinzeiros, escudos de time. Eu entrei só dando acabamento. Sem perceber, lá para 1967 a gente já estava trabalhando profissionalmente com isso”, explica o artesão Eli Bretas, de 64 anos.

“O começo foi de muitos sacrifícios. A gente fazia as peças, botava em um balaio e ia para o centro da cidade vender. Mas criamos família, construímos nossas casas com a pedra-sabão”, pontua. Bretas conta que cada irmão imprime suas características ao material: “O Vicente, por exemplo, faz esculturas impressionantes. Ele trabalha com a forma humana e confere a elas um movimento que você nunca imagina. Eu, por outro lado, trabalho com o abstrato e o barroco”, relata.

Em 50 anos de trabalho, as peças da família estão espalhadas pelo mundo, e, pelo trabalho, eles serão homenageados na Feira Nacional do Artesanato, que acontecerá de 4 a 9 de dezembro no Expominas, em Belo Horizonte. “Ganhamos um espaço lá, e estamos ansiosos, porque a gente parou de expor por um tempo, e também não trabalhamos muito mais juntos. Estamos muito felizes com a proposta de ocuparmos, os quatro, esse espaço na exposição”, diz.

Tecelagem

No Território Noroeste, em pequenas cidades como Arinos, Buritis, Bonfinópolis de Minas, Uruana de Minas e Chapada Gaúcha, os bordados e o tingimento natural de fios são uma tradição que atravessa décadas.

O bordado é um dos principais artesanatos mineiros - Crédito: Neimar Costa/Seedif

Após a colheita e descaroçamento do algodão, ele é limpo, as fibras desembaraçadas e os nós desfeitos. Daí ele vai para a roda, onde, com a habilidade e os movimentos precisos das fiandeiras, vai tomando forma de linha. Os novelos depois são tingidos com pigmentos naturais, como folhas e serragens de ipês, jatobás e outras árvores. Todo o processo é artesanal e confere tonalidades diferentes ao fio.

Já no tear, é hora de deixar a prática e a criatividade tomarem conta: o instrumento dá forma a mantas, caminhos de mesa, tapetes, cortinas, bolsas e diversos outros produtos que são a cara de Minas Gerais. “Desde 2006 trabalhamos com seis grupos de artesãs, de diversos municípios aqui da região. Os bordados das árvores do Cerrado são nosso carro chefe”, conta Luciana Vale, uma das fundadoras da Central Veredas, ONG que se organiza por meio de uma rede solidária de atividades artesanais. São mais de 200 associados, que dedicam sua vida ao artesanato.

No Território Vertentes, a tecelagem também é uma das vocações, além do estanho. Quem passa pelas redondezas de São João del-Rei pode conferir os produtos da atividade, tradicional por ali. Artesã na cidade de Resende Costa, Ester Vieira, 69 anos, fica pelo menos seis horas por dia no tear. “Desde 1968 eu faço artesanato. Minhas filhas querem que eu pare de trabalhar, mas eu não consigo! Sem isso eu não seria feliz”, afirma.

Formada em Turismo, Ester nunca quis exercer a profissão de formação. “Para mim não tem feriado, não tem dia santo nem nada. Aprendi com a minha avó e desde então teço diariamente. Tenho paixão pelo que faço. Hoje, tenho uma neta que, com nove anos, já tecia tapete com a maior facilidade”, comenta orgulhosa. 

Ainda em São João del-Rei o estanho garantiu reconhecimento internacional ao artesanato local. São castiçais, cálices, copos, vasos que mais parecem obra de arte. Produzidas desde os anos 60, quase nada mudou no processo de fabricação das peças, que até hoje mantêm características artesanais. A cidade é a principal produtora de peças em estanho do país.

Porcelana 

Muita gente não sabe, mas Minas Gerais tem também a única fábrica de porcelana azul e branca do Brasil. No Território Sul, a cidade de Monte Sião fabrica, desde 1959, todos os tipos de louças e bibelôs sempre nas cores azul e branca, inspiradas nos azulejos portugueses. O processo de produção é totalmente artesanal: a matéria prima é moída, são feitos os moldes e depois, manualmente, é aplicada a pintura de cada peça.

“Nossas peças se assemelham muito a antigas louças portuguesas, então as pessoas quando visitam a fábrica ficam surpresas ao descobrir que são produzidas em Monte Sião, e que são feitas e pintadas a mão. Acontece muito também de alguém comprar algo nosso, presentear, e quem vê ou ganha acha que é importado, que veio de fora, quando na verdade é produzido artesanalmente aqui em Minas”, conta Ricardo Talarico, auxiliar administrativo da Fábrica de Porcelana Monte Sião. 

Apoio 

Estima-se que existam 300 mil artesãos no estado, que alimentam um mercado de mais de R$ 2 bilhões por ano. Para diminuir a informalidade do setor, fomentar as economias locais e capacitar os artesãos, o Governo de Minas Gerais, por meio do Núcleo de Artesanato da Secretaria de Estado Extraordinária de Desenvolvimento Integrado e Fóruns Regionais (Seedif), investe em diversas ações.

Artesãos no estado alimentam um mercado de mais de R$ 2 bilhões por ano - Crédito: Neimar Costa/Seedif

De acordo com o coordenador do Núcleo de Artesanato, Thiago Tomaz Chaveiro, o órgão trabalha para inserir os trabalhadores em eventos do setor e em iniciativas de desenvolvimento do artesanato. “Fazemos levantamento de canais de comercialização, oferecemos ajuda para possibilitar a participação dos artesãos em feiras e também trabalhamos na capacitação e qualificação destes profissionais, com a ajuda de entidades parceiras, como o Sebrae-MG”, explica. Entre 2015 e 2018, o Núcleo apoiou 35 eventos de promoção e comercialização do artesanato e atendeu mais de 10 mil artesãos mineiros.

Uma das principais ações é a intensificação do cadastramento dos profissionais no Sistema de Informações Cadastrais do Artesanato Brasileiro (Sicab), para que possuam a Carteira Nacional do Artesão, documento que os identifica e facilita a sua participação em eventos especializados, como feiras, exposições, treinamentos e outros.

“Quanto mais profissionais tiverem a carteira, mais saberemos a real situação da categoria, o que amplia nosso olhar para as políticas públicas necessárias. Poderemos fazer um raio-x da atividade em Minas Gerais”, destaca Chaveiro. Até setembro último, eram 6.196 artesãos mineiros cadastrados. Em 31/12/2014, o número era de 1.633 cadastrados.

O documento é previsto pela portaria nº 14, de 16 de abril de 2012, dentro do Programa do Artesanato Brasileiro (PAB), e, em Minas Gerais, o órgão responsável pelo cadastramento é a Seedif.

Carteira do artesão

Para fazer a Carteira Nacional do Artesão, o profissional deve fazer um pré-agendamento na Seedif, no Núcleo de Artesanato, pelo telefone (31) 3915-2938. O cadastro é feito às terças e quintas, mas, em caso de necessidade, a secretaria pode realizar o atendimento em outros dias da semana.

O artesão precisa levar RG, CPF, um comprovante de residência, uma foto 3x4 colorida e, mediante o cadastramento, é necessário fazer uma prova de habilidade manual. “Este procedimento é realizado exatamente para proteger a categoria, barrando pessoas que querem se passar por artesãos”, explica Chaveiro.

Plano de desenvolvimento

Desde março deste ano o artesanato mineiro conta também com o Plano Quadrienal de Desenvolvimento do Artesanato Mineiro 2018-2021. A política pública, parte do Programa +Artesanato, é a primeira específica para o setor.

O plano se baseia em um tripé formado por qualificação, formalização e comercialização. O incentivo à qualificação se dará por meio de ações conjuntas com instituições como o Sebrae para que o artesão possa vender melhor o produto fabricado.

Em parceria com a Junta Comercial do Estado de Minas Gerais, o plano apoia também a transformação dos artesãos em Microempreendedores Individuais (MEIs), como meio de formalização. Já o incentivo à comercialização se dará a partir do apoio do Governo Estadual aos eventos do setor.

+ Artesanato

Lançado no ano passado, o Programa +Artesanato é um catalisador das diversas iniciativas que estão sendo adotadas pelo Governo do Estado no setor do artesanato mineiro. Já em 2017 foram realizados mais de 30 mutirões para emissão da Carteira Nacional do Artesão no interior de Minas Gerais, documento imprescindível para o reconhecimento do artesão. Mais de 800 carteiras foram emitidas durante esses mutirões, o que propiciou a interiorização do projeto.

Bordados como os feitos pela artesã Ester Vieira, de Resende Costa, são tradicionais no estado. Crédito: Arquivo pessoal

A iniciativa também foi responsável por lançar grupos de trabalho que contribuíram para a criação do Plano Mineiro de Artesanato, no âmbito da comercialização, salvaguarda de Mestres Artesãos, desenvolvimento social, legislação e política pública, em dezenas de reuniões com especialistas de diversos setores ligados à cadeia do artesanato.

Outra marca importante do +Artesanato foi a abertura do diálogo com a categoria, por meio das rodas de conversa em cidades como Diamantina, Ouro Preto, Congonhas, Montes Claros, Bocaiuva e Belo Horizonte.

Sala do Artesão

A Sala Mineira do Artesão é coordenada pela ação do +Artesanato, em parceria com o Servas, Sebrae e Emater-MG. O objetivo é fortalecer o artesanato e desenvolver o potencial dos artesãos.

Os trabalhadores vão usufruir de serviços oferecidos pela Sala Mineira do Artesão, bem como cadastro para a confecção da Carteira Nacional do Artesão, capacitação e instruções para participação de feiras, eventos e editais. Entre outras atividades, os artesãos vão contar com apoio especializado de pessoas treinadas pelo +Artesanato.

O Governo de Minas inaugurou duas unidades, em 2018, em Territórios Criativos do Estado, sendo uma em Ouro Preto, na região dos Inconfidentes, e outra em São João del-Rei, no Campo das Vertentes. Ainda será inaugurada a sala em Araçuaí, no Jequitinhonha. 

 



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